Histórico Sobre as Fotonovelas
Histórico que faz parte da Monografia do Curso de Artes
Visuais - UPF
Acadêmico: Vagner Baldasso
AS FOTONOVELAS - UMA HISTÓRIA DE ASCENSÃO E QUEDA
As fotonovelas, hoje, quase esquecidas, já foram fenômenos
de vendas no Brasil nos anos de 1970. Além de possibilitar diversas leituras,
possuem inúmeras qualidades pedagógicas que podem ser exploradas dentro de sala
de aula ou mesmo em ambientes não formais de ensino. Primeiramente será
delineado um breve histórico sobre a distribuição e produção de fotonovelas,
dando destaque àquelas de âmbito nacional.
Compreendendo uma narrativa mista de imagens fotográficas e
texto verbal, em seu início, as fotonovelas eram geralmente publicadas em
revistas, livretos ou pequenos trechos editados em jornais, entretanto suas
raízes são muito anteriores.
As heranças da narrativa com imagens já existem há 15.000
anos antes de Cristo, as pinturas rupestres já traziam sequências de ações,
caçadas e atividades comunitárias da época. outras evoluções determinantes na
questão da narrativa ocorreram com a transposição da forma de comunicação oral
para o código escrito.
Os egípcios há 5.000 anos, já pintavam sequências de imagens
relatando a vida dos faraós e da sociedade ao seu redor, assim como várias
outras civilizações, mesclando símbolos gráficos para a representação fonética.
Na Idade Média, as iluminuras dos pergaminhos e livros
serviram para complementar o entendimento da narrativa escrita. Alexandre
Valença Alves Barbosa citando Christiansen e Magnussen em sua dissertação de
mestrado, faz um histórico sobre os quadrinhos e nos remete a essas
características também na cultura Maia:
Essa mescla de texto e imagem não ficou restrita apenas na
Europa e Ásia menor. Quando os espanhóis chegaram à América Central encontraram
na cultura Maia um sistema de imagens que unia escrita e ilustração. Neste
sistema podemos claramente identificar a imagem principal como foco da
narrativa e pequenos símbolos que podem ser traduzidos como a escrita Maia.
(2006, p. 39-40)
Graças a essas evoluções do processo de comunicação e aos
avanços tecnológicos, foi possível a produção de veículos impressos e junto com
esses, o folhetim no século XIX, em pleno movimento romântico, estreitamente
ligado à literatura de massa.
O Folhetim antecedeu a fotonovela e consistia em uma nova
forma de contar histórias no jornal. Segundo Maria Imaculada Cavalcante (2005,
p. 64) autora do artigo Do Romance Folhetinesco às Telenovelas: “O folhetim é
desde seu nascimento, o romance publicado no rodapé dos jornais, por sua vez,
vendido a preços baixos e com grande tiragem, sofrendo grande influência da
produção jornalística voltada para o gosto do público urbano.”
Durante todo o séc XX, o folhetim reedita histórias de
sucesso. O grande público atraído por essa leitura não se interessa por
conhecer seus autores, pois não é a personalidade desses que importa, mas sim
os personagens que vivem papéis heróicos pelas causas da justiça e do amor.
Leitores fiéis acompanham periodicamente as histórias, não exigindo uma grande
literatura, todo o interesse se volta para as narrativas, dramas e tramas.
Parece haver preferência por temas amorosos, fantásticos e
dramáticos. Camargo e Berezovsky (1978 p. 45) escrevem sobre os folhetins, o
que pode ser também estendido à fotonovela: “Buscam-se justificativas para o
enorme sucesso do folhetim, a ele se atribuindo conseguir despertar no homem do
povo os elementos de fantasia necessários para alimentar seus sonhos.”
Do folhetim a fotonovela ainda herdou a fragmentação em
periódicos, presente em algumas revistas, buscando satisfazer o gosto do leitor
consumidor com intrigas e divertimento intencionalmente voltados para prender a
atenção e conquistar os consumidores para leitura dos próximos capítulos e
conseqüentemente a venda de novos exemplares.
Os espaços dos folhetins também foram favoráveis para o
surgimento das célebres tiras, com traços estilizados e o enfoque
predominantemente cômico. Após, juntando essas tiras formavam-se histórias em
quadrinhos. De acordo com Alexandre Valença Alves Barbosa (apud GONÇALO, 2006):
Na década de 30, os norte-americanos tiveram a idéia de
fazer um compêndio das tiras de jornal em um único exemplar criando assim a
revista de histórias em quadrinhos ou Comic Book. Até então, as histórias eram
encartadas nos jornais e vendidas como suplementos. (p. 40)
Essa seqüência de planos presentes nos quadrinhos e também
no cinema, antecede a diagramação da fotonovela, mas sem dúvida um dos fatores
mais importante para a fotonovela é o advento da fotografia.
A partir de 1926, e atribuída ao francês Joseph Nicéphore Niépce,
a fotografia desenvolveu-se em meio a Revolução Industrial e trouxe informações
visuais do mundo e das várias realidades sociais. Assim, o aperfeiçoamento
técnico da fotografia e com o passar do tempo a fácil manipulação, foram
fatores importantes para o surgimento da fotonovela.
Os primeiros indícios desse formato com fotos e narrativa,
foram vistos nos cartazes de filmes e anúncios publicitários, que traziam um
resumo do que estava por vir nos cinemas. As fotonovelas, como as conhecemos,
surgiram na década de 40 na Itália após a II Guerra Mundial, chamadas
fotoromanzi ou fumetti, esse último utilizado também para definir os
quadrinhos, referindo-se ao espaço das falas parecido com fumaça.
Em seu princípio, revistas de fotonovelas publicavam
adaptações de filmes, segundo E-Dicionário de Termos Literários
(http://www.fcsh.unl.pt/edtl/index.htm) editado e organizado por Carlos Ceia:
O neo-realismo em voga na Itália determinou as descrições quotidianas
e a temática urbana e realista presente nas fotonovelas. Os iniciadores da
fotonovela em Itália foram Stefano Reda e Damiano Damiani que começaram por
publicar em revistas adaptações de filmes de sucesso (o chamado cine-romance
que adaptou obras como O Conde de Monte Cristo, O Monte dos Vendavais, Ana
Karennina, e A Dama das Camélias). Essas primeiras fotonovelas eram
protagonizadas por atores populares e as revistas tentavam realçar um
determinado tipo de imagem do ator em questão. (Galucho, 2008, s/p).
O sucesso da fotonovela foi motivado pela popularização do
cinema nas décadas de 1940 em diante, que crescia embora fosse de difícil
acesso para o público geral. Não foi à toa que muitos artistas do cinema foram
chamados a participar de fotonovelas, aproveitando a fama dos mesmos.
Ainda, na década de 1940, segundo Thomaz Souto Correia (2000,
p.181), diretor editorial do livro A Revista no Brasil, a revista
"Encanto", da Coluna Sociedade Editora, trouxe as primeiras
fotonovelas ao Brasil, essas produções eram trazidas de fora, principalmente da
Itália, traduzidas e inspiravam-se nos tais folhetins consagrados, como "A
Dama das Camélias" de Alexandre Dumas.
A impressão da "Grande Hotel" (Ilustração 01),
pela editora Vecchi circulou desde 1947, só a partir de 1950, publicou sua
primeira fotonovela, mas antes de adotar essa novidade a revista publicava
histórias de amor em quadrinhos, com um formato semelhante como pode ser visto
na Ilustração 02, se ocupando do mesmo esquema dos quadrinhos para produzir
romances, um misto de melodrama familiar, aventuras e fantasias em fascículos,
quase sempre com final feliz.
Grande Hotel nº 177, Capa
IGrande Hotel nº 177, página 25
GRANDE HOTEL, Editora Vecchi, 177, ANO IV- 12-XII- 1950.
A Revista "Grande Hotel" foi uma das inspirações
para o surgimento da revista concorrente "Capricho", criada em 12 de
junho de 1952 pelo então fundador da Editora Abril, Victor Civita. Era uma
revista quinzenal, de formato pequeno, com fotonovelas e histórias de amor
desenhadas em quadrinhos, além de outros tópicos como moda, beleza,
comportamento, contos e variedades.
O sucesso no mercado das revistas teve um certeiro golpe do
fundador e atual presidente do Grupo Abril, Victor Civita, que decidido a
inovar, passou a publicar a "Capricho" em edição mensal, com uma
única fotonovela na íntegra, obtendo também uma resposta rápida de seus
leitores.
Em 1956, a "Capricho" atingiu, até então maior
tiragem de uma revista da América Latina, rompendo a marca dos quinhentos mil
exemplares, sucesso que perdurou ao longo dos anos 1960, que estava relacionado
especialmente às fotonovelas por ela publicadas (CORRÊA, 2000, p.176). Há de se
considerar ainda nesse grande feito, o nível de analfabetismo no Brasil
relativamente alto na época.
Na década seguinte, 1960, a revista “Sétimo Céu”, da Editora
Bloch, decidiu “abrasileirar” os temas e os personagens para aproximar-se dos
leitores. Foi a primeira a produzir fotonovelas no Brasil, estreladas por cantores
como Jerry Adriani, Agnaldo Rayol e atrizes como Vera Ficher. Faziam parte
dessas fantasias os ambientes litorâneos com clima ensolarado, sungas e
biquinis.
Ente 1960 e 1980, mais de 20 títulos de revistas de
fotonovelas circulavam no Brasil. Entre elas, possuíam maior tiragem a revista
“Capricho” (ilustração 3), “Sétimo Céu” (ilustração 4) e “Grande Hotel”
(ilustração 5), circulando ainda em escalas menores: “Super Novelas Capricho”,
“Ilusão”, “Jacques Douglas” (ilustração 6), “Cartaz” (ilustração 7), “Noturno”
(ilustração 8), “Fascinação”, “Contigo”, “Carinho”, “Amiga”, “Carícia”,
“Sentimental”, “Jenifer”, “Melodia”, “Lucky Martin”, entre outras.
Ilustração 3 - CAPRICHO, Editora Abril - ANO XV – Nº 170 –
Abril de 1966.
SÉTIMO CÉU, Editora Bloch - Nº 14 - Junho de 1965.
GRANDE HOTEL, Editora Vecchi - ANO XIX – Nº 916 – Fev. de
1965.
Ilustração 6 - JACQUES DOUGLAS, Editora Vecchi, ANO XI – Nº
126 – 1977
Ilustração 7 - CARTAZ, Rio Gráfica Editora S.A., RJ - Nº 49
– fevereiro de 1973.
Ilustração 8 - NOTURNO, Editora Abril, ANO IX – Nº 104 –
Janeiro de 1968.
Conforme dados nos cadernos CEBRAP (Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento), em que veiculam resultados relevantes de pesquisas em
andamento nesse período, obtemos os dados em números de tiragem e respectivas
vendas, das três revistas mais vendidas no país no ano de 1975, segundo o IVC
(Instituto de Verificação de Circulação) e transcritos por Camargo e Berezovsky
(1878, p. 49):
2º trimestre de 1975
Capricho (média quinzenal) 248.643
Grande Hotel (média Mensal) 69.872
Sétimo Céu (média Mensal) 107.607
3º trimestre de 1975
Capricho (média quinzenal) 275.500
Grande Hotel (média Mensal) 65.113
Sétimo Céu (média Mensal) 161.520
A revista “Capricho” a mais vendida, só perdia para as
revistas de quadrinhos infantis “Pato Donald”, “Mickey” e “Tio Patinhas” (cada
uma com uma média periódica aproximada de 400 mil exemplares).
A circulação dessas edições era de âmbito nacional, conforme
indicadas nas próprias revistas, a distribuição abrangia locais como: Manaus,
Acre, Amazonas, Pará, Maranhão entre outras. A maioria tinha como pólo de
redação e administração a cidade do Rio de Janeiro, como é caso da revista
“Grande Hotel”. Deve ser observado o fato que essas publicações não atingiam
somente as grandes cidades, mas também pequenas localidades do interior,
afastadas dos grandes centros metropolitanos.
Em 1980, ainda circulavam exemplares de fotonovelas, mas com
a ascensão da televisão e outras manifestações de massa, cada vez mais
diversificadas, começa o declínio dessas revistas, deixando de ser o centro das
atenções do público leitor. Embora a revista “TV sucesso” da editora Bloch,
tenha criado a “fatonovela”, baseada em fatos reais, revistas como a “Cartaz”
da Editora Rio Gráfica, “Amiga”, da Bloch, e “Intervalo” da Abril, passaram a
tratar de sua sucessora, a telenovela.
Em âmbito mundial, na França, a primeira fotonovela data de
1949, passando para Luxemburgo e Bélgica logo depois. Na Espanha a fotonovela
surge nos finais dos anos 60 e conta com um público bastante extenso, chegando
somente mais tarde à África do Norte que como aqui, a maior parte das revistas
eram traduções dos originais italianos. Conforme Isabel Galucho (2008. s/p) a
fotonovela se caracteriza um produto de literatura de massa tipicamente latino,
não tendo ocorrência no mundo anglo-saxônico.
De 1950 a 1990, diversos gêneros de leitura foram tratados
em fotonovela, produções nacionais e internacionais investiram em narrativas,
diferentes dos romances de público-alvo feminino, embora tivessem sido vendidos
em menor escala, algumas fizeram sucesso, com edições contínuas ou especiais.
Na década de 1950, surgem fotonovelas do herói de luta livre
“Blue Demon” (ilustração 9) no México, mais conhecido pela sua máscara azul. Em
suas fotonovelas “Blue Demon” lutava contra vampiros e monstros mal intencionados.
Ilustração 9 - Blue Demon, 1º Edição, capa e detalhe.
Na década seguinte, 1960, surge “Killing” (ilustração 10),
com histórias de um anti-herói terrível e diabólico, produzida para adultos, o
personagem “Killing” compete com o inspetor Mercier que o procura
incansavelmente. Tem forma de esqueleto e utiliza máscaras de carne como
disfarce provavelmente de suas vítimas. Seu título original era publicado pela
Editora Ponzoni e editor Pietro Granelli. Vários crimes e torturas e, ainda,
mulheres com pouca roupa estavam sempre presentes nos episódios. Reedições
dessas revistas surgiram na França com o título de “Satanik”, na Espanha
“kiling” e no Brasil na década de 70, com o título original “Killing”,
publicado pela Rio Gráfica Editora.
Ilustração 10 - Killing, 2ª Edição, capa e detalhe.
Na década de 70, apareceram produções na Argentida pela
Editorial Record, vários títulos como “Goldrake”, “Yorga”, “Ultratumba”, “Arãna
Negra”, “Namur”, republicações de “Killing” em uma mesma linha de enredos com heróis,
heroínas e vilões, em que suspense, terror e climas sensuais eram oferecidos ao
leitor.
Entre essas produções podemos destacar a “Arãna Negra”
(ilustração 11), estrelada sempre pela atriz local Linda Peretz, uma heroína
misteriosa que trabalha na Inglaterra. Também da mesma editora a espiã “Namur”
(ilustração 12) e o homem lagarto “Yorga” (ilustração 13) pertenciam a essa
década.
Ilustração 11 - ARÃNA NEGRA -Editorial Record.
Ilustração 12 - NAMUR - Editorial Record
Ilustração 13 - YORGA -1ª Edição, Editorial Record.
Para o público infantil a produção da fotonovela foi pouco
explorada, apenas exemplares especiais, como exemplo revistas do herói japonês
Jaspion (ilustração 14), lançadas em 1989 pela editora Bloch. Utilizando
imagens de baixa resolução captadas do vídeo, funcionavam como uma espécie de
“quebra-galho”, por não haver revistas em quadrinhos do personagem que tinha
enorme audiência pelas crianças no Brasil. Devido ao pouco sucesso em
fotonovela, apenas três exemplares foram publicados.
Ilustração 14 - O Fantástico Jaspion, 1ª Edição, capa e
detalhe.
Um fator importante enquanto legislação foi a abrangência
dos profissionais e artistas que trabalhavam com fotonovela em 1978, Decreto nº
82.385, assinado pelo então presidente Ernesto Geisel, Regulamentou a Lei nº
6.533, de 24 de maio de 78, que dispõem sobre as profissões de artistas e de
técnicos em Espetáculos de Diversões. No quadro anexo a esse decreto
encontram-se os títulos e descrições das funções, em que se desdobram as atividades
de artistas e técnicos e em especial a fotonovela, descreve as seguintes
Funções: Arte-Finalista de Fotonovela;
Assistente de Fotografia de Fotonovela; Contínuo de
Fotonovela; Coordenador de Elenco; Diagramador de Fotonovela; Diretor de
Fotonovela; Diretor de Produção de fotonovela; Redator Final de Fotonovela;
além do Ator e Figurante que já haviam sido englobados no cinema. (BRASIL.
Decreto nº 82.385, 05 out. 1978).
Percebe-se que a fotonovela depois de toda essa história de
interação com o público e suas conquistas em meio ao mundo de informações
visuais se torna um marco quase esquecido. Poucas são as fontes e estudos que
tratam do tema, mas muitas são as recordações que ainda deixam em seus
leitores, pessoas que tinham na fotonovela uma de suas principais leituras,
eram transportados para uma “viagem” gratificante em meio a lugares e enredos
fascinantes.
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